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Camus, A peste



    A peste. Reflexões sobre a reunião do clube de leitura.

Umas ideias

A vida é absurda, sem sentido. É preciso criar um sentido para ela. E às vezes trocar de sentido. Ficar ao lado das vítimas, nunca ser responsável pela morte de outro homem, ser santo sem deus. São os sentidos propostos. Dançar no meio do bombardeio não seria também criar um sentido?

Comparativo entre “A Peste†e “A náuseaâ€. Neste, o sentido se cria através da arte, que permite sobreviver à morte. Naquele, o sentido se cria escolhendo uma obra e ficando fiel a ela.

Os dois personagens principais são a morte e a peste. O confronto entre ambos é o fio principal da narrativa, que é, além disso, composta de uma colagem de mini-estórias de vários outros personagens secundários (Tarrou, Grand, Rieux, Paneloux).

A peste existia antes da peste, existe sempre, quase todos sofrem dela e não sabem. Que peste é essa? “Mas que vem a ser a peste? É a vida, nada mais†(p.273).

Camus faz filosofia pela literatura, pela alegoria, como Platão. Mas sua linguagem não é apenas literária, é poética, que é mais rica de sentidos e camadas.

Imagens riquíssimas. Tem o dom de pintar um quadro com poucas pinceladas, descrever um personagem que parece vivo, íntimo nosso, de carne e osso, com meia dúzia de palavras. A descrição da mãe de Tarrou é das coisas mais tristes e belas do livro, vale o livro. Ela era uma pessoa apagada; quando morreu, apenas se apagou mais um pouco. A imagem das sombras deformadas na parede, das pessoas carregando as coisas subtraídas das casas em chamas, é cinematográfica e representativa do talento narrativo de Camus.

Um capítulo inteiro (105 et seq.) para descrever a sensação de exílio como primeiro e maior efeito da peste. O fechamento das portas da cidade começa o segundo ato.

Tarrou é o grande personagem humano do livro. Tarrou e sua relação com a mãe que morreu e o pai que não morrerá nunca, que ele precisa absolver e compensar. Esse pai que sabia de cor os itinerários de viagens que nunca faria, que era em casa um bonachão sonhador e no trabalho um sanguinário carniceiro. A cena do (re)conhecimento do pai que batalha pela morte de um coitado é decisiva.

“A peste†me lembrou o “Ensaio sobre a cegueiraâ€. São ambos alegorias sobre a calamidade imprevista que faz cair as máscaras e revela a verdadeira face de cada um, e da humanidade toda.

Notas novas

Como se a terra se purgasse de uma carga de humores a rebentar em furúnculos (p. 70). A cidade que adoece. Os ratos são os furúnculos rebentando. O personagem principal, a cidade, encontra sua sombra, o antagonista, a peste, o outro grande personagem do livro.

O sentimento de exílio perpassa toda a trama. É menos a história da luta para sobreviver à peste, e mais a história do sofrer por estar isolado, ilhado. No penúltimo capítulo, que relata o fim da peste, aparecem explícitas as respostas. A resposta à esperança dos homens é essa: só quem se apega ao amor, à ternura humana, é que pode, eventual e fugazmente, conhecer a felicidade, escapar do absurdo. Não há que esperar um sentido para a vida, uma lógica, uma recompensa, um porto seguro, nada. Só “uma coisa podemos desejar sempre e obter às vezes: a ternura humana†(p.268). O absurdo da vida só recompensa aos que são capazes de achar satisfatório o homem, tal como é, com seu amor pobre e terrível (p.269).

Personagens

Rieux

Um homem que se cansara do mundo, mas gostava dos seus semelhantes e decidira não colaborar na injustiça nem nas concessões (p.67).

“Estava ali a certeza, no trabalho diário. O resto se prendia a fios, a movimentos insignificantes. Para que pensar nisso? O essencial era cumprir o dever†(p.87).

Não podendo ser santo, e recusando admitir flagelos, procura ser médico. Nem que seja pelo testemunhar em favor das vítimas. É preciso observar, aprender e lembrar-se: “Tudo o que o homem podia ganhar no jogo da peste e da vida era o conhecimento e a [Memória]â€.

“seguindo a lei de um coração honesto, ficou deliberadamente com a vítima e buscou aproximar-se de seus concidadãos, nas certezas comuns a todos - o amor, o sofrimento e o exílio†(p.270).

Aqui há um ponto de contato com Sarte: atribuir sentido à vida absurda expressando-se através da arte. Camus vai mais além: seu protagonista não faz arte qualquer, mas arte-testemunho, engajada, ao lado das vítimas, denunciando.

Atribuir um sentido atribuindo-se uma missão, uma obra, de arte ou não. E não seria a vida uma obra de arte? Li em algum lugar que sim (seria Nietzsche?).



Tarrou

Busca a paz de espírito.

Interesse nos fatos miúdos. Historiador sem história. O que ele nota? O doente do peito que arrisca a vida para tocar no Orfeão. O velho que cospe nos gatos. A família coruja-rata-cãezinhos. Rieux.

Como não perder tempo? Enchendo-o. Mas com atividades inúteis? (p.77).

Diz-se fatalista.



Grand

As palavras certas. Solícito, bondoso. À procura das palavras certas, sempre.

Comparar ainda a obra de Rieux (luta incansável contra a doença invencível, uso da arte para denúncia e testemunho) com a obra de Grand, que não vai adiante, que não deslancha nem floresce, porque não tem utilidade nem sentido. Ao final corta todos os adjetivos, e escreve uma obra útil, a carta para Joana. Essa foi a mudança de caráter que a peste operou em Grand: não só achou as palavras certas, mas achou um uso certo para as palavras.

Grand estava destinado a escapar, porque é débil (p.89).



Cottard

Feliz com a peste. A desgraça de outros o livrava provisoriamente da sua própria. Desistira de viver; quando a doença aparece, readquire a razão para viver. Quando a doença se vai, suicida-se matando a outros primeiro.



Rambert

Como Paneloux, é modificado pela experiência do flagelo, ma sobrevive porque esperava o que podia merecer espera, o reencontro com o amor. Paneloux esperava redenção, por isso tinha de morrer da peste: não existe redenção. Rambert, que soube converter o seu amor egoísta que queria fugir num amor altruísta que fica ao lado das vítimas, mereceu o único prêmio possível.



Os opostos

Os contrapontos, os pares: Rieux e Paneloux. Grand e Cottard. Tarrou e Rambert (?). As mães, a de Rieux e a de Tarrou.

As mulheres. Poucas. As mães, a de Rieux e a de Tarrou. As mulheres ausentes, a de Rieux e a de Rambert, Joana de Grand.



Frases

Tudo o que o homem podia ganhar no jogo da peste e da vida era o conhecimento e a memória.

uma coisa podemos desejar sempre e obter às vezes: a ternura humana (268).

(...) natural vir o prazer, de longe em longe pelo menos, recompensar os que acham satisfação no homem, no seu pobre e terrível amor (269).

há sempre uma hora do dia ou da noite em que o homem é covarde (255).

o hábito do desespero é pior do que o próprio desespero (185).

nada menos grandioso que um flagelo, e, com a duração, as desgraças tornam-se monótonas (184).

podemos ser santos sem Deus, é o único problema concreto que hoje conheço (237).

Em Orã, como noutras partes, à míngua de tempo e reflexão, somos obrigados a amar sem saber (62).

As calamidades são com efeito ordinárias, mas dificilmente acreditamos nelas quando nos chegam. Sempre houve no mundo pestes e guerras; entretanto pestes e guerras nos acham desprevenidos (p.85).

os nossos concidadãos eram como toda a gente, pensavam neles mesmos. Noutras palavras, eram humanistas: não acreditavam nos flagelos. O flagelo escapa às previsões do homem - e dizemos que o flagelo é irreal, um sonho mau que vai desaparecer. Não desaparece - e, de sonho mau em sonho mau, são os homens que desaparecem, os humanistas em primeiro lugar, pois não tomam precauções (p.85.

“seguindo a lei de um coração honesto, ficou deliberadamente com a vítima e buscou aproximar-se de seus concidadãos, nas certezas comuns a todos - o amor, o sofrimento e o exílio†(p.270).

19/04/2013 10:23